segunda-feira, outubro 16, 2006

O menino experimental

O menino experimental come as nádegas da avó
e atira os ossos ao cachorro.

O menino experimental, futuro inquisitor, devora o
livro e soletra ao serrote.

O menino experimental não anda nas nuvens. Sabe
escolher seus objetos. Adora a corda, o revólver, a tesoura,
o martelo, o serrote, a torquês. Dança com eles. Conversa
com eles.

O menino experimental ateia fogo ao santuário
para testar a competência dos bombeiros.

O menino experimental, declarado superado o
manual de 1962, corrige o professor de
fenomenologia.

O menino experimental confessa-se
ateu à toa.

O menino experimental é desmamado no primeiro
dia. Despreza Rômulo e Remo. Acha a loba uma galinha.
Nos tempos do oco pré-natal gritava: "Champanha,
mamãe! Depressa!"

O menino experimental decreta a alienação de Aristóteles.
Expulsa-o da sua zona, só com a roupa do corpo
e amordaçado.

O menino experimental repele as propostas da
prima de dezoito anos chamando-a de
bisavó.

O menino experimental, escondendo os pincéis
do pintor e trancando-o no vaso sanitário,
obriga-o a fundar a pop-art, única saída do impasse.

O menino experimental ensina a vamp a amar,
dorme com o radar debaixo da cama.

O menino experimental, dos animais só adimite
o tigre e o piolho de bombardeio. Deixa o cão,
mesmo feroz, e o piloto civil às pulgas.

O menino experimental benze o relâmpago.

O menino experimental antefilma o acontecimento
agressivo, o Apocalipse, fato do dia.

O menino esperimental festeja seu terceiro
aniversário convidando Jean Genet e Sofia Loren
para jantar. Espetados na mesa três punhais acesos.

O menino experimental despede a televisão,
"brinquedo para analfabetos, surdos, mudos,
doentes, antinietzsches, padres, podres,
croulants".

O menino experimental atira uma granada
em forma de falo na mãe de Cristovão Colombo,
sepultando as Américas.










Murilo Mendes.